Blog do Ohata

1º carrasco de Maguila reza por brasileiro e troca boxe por polo aquático

Eduardo Ohata


No caminho para o trabalho, ele para seu carro perto da igreja, entra, e faz uma breve oração para o amigo distante que enfrenta situação difícil.

“Lamento muito o que está acontecendo com meu amigo Maguila. Pedi a Deus que o ajude”, explicou o argentino Walter Daniel Falconi, 57, primeiro rival a vencer Adilson “Maguila” Rodrigues, sobre o ex-adversário, em entrevista ao Uol. Dias antes, fora informado pela reportagem sobre o precário estado de saúde do brasileiro, que sofre de demência pugilística e é alimentado por meio de sonda, segunda sua mulher, Irani Pinheiro.

“Quero dizer para Maguila para que não se renda nunca. Esta é a luta mais difícil de sua vida, mas tem que seguir lutando. O resultado final será sempre positivo”, reflete Falconi, para logo em seguida fazer uma pausa. “Se [Maguila] morrer, quem estará à sua espera é o Senhor. Mas que ele não deixe de lutar”.

Quem acompanhou a rivalidade entre Maguila e Falconi, na década de 80, certamente lembra que as lutas de Maguila eram a grande atração das tardes de domingo, quando as famílias se reuniam na sala para assistir o folclórico sergipano despachar adversários gringos e depois, ainda sobre o ringue, sair agradecendo o acougueiro, o moço da concessionária, o padeiro etc.
Até que chegou a vez do ambicioso Falconi, então com 24 anos, que tinha outras idéias. Não seguiu o script, e impôs um dramático nocaute no terceiro assalto ao brasileiro.

Na revanche, Maguila encerrou a carreira de Falconi, que voltou para casa com uma retina descolada.

No aniversário de trinta anos do combate, nada de mágoa.

“Depois da luta, Maguila e alguns familiares vieram me cumprimentar. Isso é lindo no esporte. Sobre o ringue você tem que fazer seu trabalho, que é lutar, tratar de receber menos golpes e dar mais. Mas ao descer do ringue, pode ser amigo, leal”.
Falconi lembra que conheceu Maguila bem antes de enfrentá-lo, na época em que era amador e participou do campeonato latino-americano em São Paulo, em 81. O brasileiro havia começado a lutar, fazia bicos como segurança em uma discoteca. “Conversamos brevemente. Foi aí que fiquei seu amigo, mas o destino quis que nos encontrássemos no ringue, com o título sulamericano dos pesos-pesados em jogo”.

O argentino revelou que antes da fatídica revanche, o promotor argentino “Tito” Lectoure firmara contrato pelo título mundial com Michael Spinks. “Eu teria que fazer quatro lutas nos EUA antes de desafiar pelo título. Mas depois do que aconteceu na revanche com Maguila, minha carreira acabou.”

Falconi quase perdeu o olho após uma cirurgia mal-sucedida na Argentina. Após quinze dias, viajou para a Itália e, na Clínica oftamológica de Gênova, ouviu perguntarem, “o que te fizeram na Argentina?”.

Submeteu-se a nova cirurgia, mas o estrago já estava feito: o médico disse que não poderia mais lutar, pois a retina do olho direito estava muito descolada e correria risco de ficar cego. Teve que decidir entre a carreira e o olho. “Minha carreira terminou, porque meu olho não tem preço”.

Falconi vive hoje na cidade italiana de Bogliasco, a cerca de 12 km de Gênova. Casou-se com Enrica, teve duas filhas, Carola, 23, e Elena, 14. Ambas são goleiras de pólo aquático. A mais velha participa da seleção italiana. Falconi conta, orgulhoso, que a filha ficou em quarto na Universíade disputada este ano na Coréia do Sul. Falconi hoje empresta seu conhecimento à modalidade. “Treino a parte física de um time de jovens de 17 anos que foram campeões italianos. E sigo com atenção o feminino, onde joga minha filha”. Ele se mantém em forma com treinos de crossfit com a ajuda de uma personal trainer. Assim, consegue manter o peso de 109 quilos, pouco acima dos 97 quilos da época em que lutava.

Falconi olha para trás e reflete sobre os dramáticos meses que se seguiram à revanche com Maguila.

“O [momento] mais difícil foi ficar sem trabalho, minha profissão era essa [boxe]. Tive que arregaçar a manga e trabalhar em qualquer coisa. Mas você tem que aceitar a situação e superar tudo”.

Primeiro, trabalhou dirigindo caminhões para um amigo dono de uma empresa de construção. Foi padeiro. Ao conseguir a equivalência de seu diploma do curso de Economia e Comércio, foi trabalhar no banco. Tem cargo em uma sucursal onde comanda 10 funcionários.

Mas afastou-se do boxe.

Por um ano deixou de frequentar ginásios e tampouco assistiu lutas porque ainda tinha vontade de voltar ao ringue. Mas sabia que “não era mais para ele”. Mas, pouco a pouco, foi se reaproximando do boxe, ensinando, fazendo cursos de defesa pessoal.
“Foi difícil porque o boxe foi a coisa mais linda que me aconteceu”. “Fiquei mal, porque os sacrifícios que você faz para chegar até onde eu estava chegando, no topo da classificação mundial, e depois, num acidente, você perde tudo. Acho sempre que é o destino. O destino quis assim…”

Quando voltou a assistir lutas de boxe, se imaginava dentro do ringue com Mike Tyson. “Sim, pensava que poderia lutar com a ‘besta’. Esse momento seria muito difícil porque Tyson era, digamos, algo fora do normal. Me imaginava o enfrentando, já que estávamos nessa época. Mas ele era de outra galáxia. Muito forte, muito forte…”, repete Falconi, analisando o confronto imaginário como se não estivesse falando de si mesmo.

Por conta de seu físico ainda privilegiado, participou ao lado de um jogador de rubgi de uma campanha publicitária de uma companhia de táxi, que mencionava que Falcani foi campeão sulamericano dos pesados de boxe. Falconi, aos risos, lembra da bem-humorada campanha: “Meu cunhado é o presidente da empresa. Queria mostrar que pegar táxi é seguro, já que os motoristas defenderiam os passageiros no caso de emergência”.

Falconi diz que gostaria de voltar ao Brasil ano que vem para assistir a Olimpíada e acrescenta que guarda muitas recordações boas de São Paulo, onde tem amigos argentinos, italianos e brasileiros. Pergunta sobre o “Galinho” Eder Jofre, pede que lhe mande um abraço, e volta a falar com carinho sobre o país que uma vez torceu unido contra ele quando duelou com Maguila: “[Os brasileiros] sempre me receberam muito bem”.