Em aniversário de 10 anos de título mundial, Sertão vive com salário mínimo
Eduardo Ohata
Sertão, ou melhor, o baiano Valdemir Pereira, era uma alegria só. Afinal, ele havia acabado de vencer, por pontos, o tailandês Phafrakorb Rakkietgym. Nome engraçado? É porque os boxeadores tailandeses adotam como sobrenome “artístico” o nome de sua academia. Pioneiros no “naming rights”.
Logo após ter seu braço erguido, Sertão ria à toa segurando o cinturão da Federação Internacional de Boxe, abraçado ao técnico Ivan de Oliveira. “Quem ele pensava que era, o Tarzan?”, perguntou para mim, enquanto ainda estávamos no ringue, em referência ao fato de o tailandês ter começado a bater com as duas mãos no próprio peito no décimo assalto, em uma tentativa (infrutífera) de intimidar o brasileiro. Não, nesse caso, nunca é demais descrever detalhes do combate ou do pós-luta, já que não foi transmitido na América do Sul. Os programadores da TV a cabo, apesar de ter os direitos da luta transmitiram para o Brasil partida da NBA, já que o mesmo sinal iria para toda América do Sul.
No aeroporto de Connecticut, quando se preparava para retornar ao Brasil, Sertão dizia, “baba aí, Ohata”, ao comprar um colar que trazia pendurado um aparelho de metal que programou para ficar exibindo, em movimentos ininterruptos, de cima para baixo, seu apelido: “Sertão”.
No aeroporto de Guarulhos, Sertão foi barrado na alfândega. Seu manager, Servílio de Oliveira, protestava, “mas ele é campeão mundial”. O fiscal respondeu, “é aí mesmo que a gente vai procurar”. Provavelmente os fiscais ainda se lembravam da polêmica quando os jogadores da seleção campeã da Copa de 94 entraram no Brasil com 15 toneladas a mais de bagagem do que a levada para a Copa dos EUA sem passar pela alfândega e pagar os impostos.
Isso tudo aconteceu há exatos 1o anos.
“Como você vai comemorar os 10 anos do título?”, perguntei nesta terça-feira (19) a Sertão, que voltou a morar na sua cidade natal de Cruz das Almas após perder o título na primeira defesa, para Eric Eiken, e que teve a carreira interrompida por conta de um problema de saúde.
“Vou trabalhar”, respondeu Sertão, que é empacotador em uma loja. “Para fazer festa, tem que ter dinheiro. Eu ganho um salário mínimo e tenho que pagar duas pensões para minhas ex-mulheres e filhos [que estão em São Paulo].”
“Mas me lembro que foi nesta data [hoje, dia 20] que fui campeão mundial, o que foi muito importante para minha vida, minha carreira, minha família”, ressalta Sertão.
Mas, nos 10 anos de seu título, Sertão revela que tem uma mágoa. Ele fala da homenagem feita na cidade de Santos com a inauguração no ano passado de bustos dos também campeões mundiais Eder Jofre, Miguel de Oliveira e Popó. Sertão, ao que tudo indica, foi esquecido. “Fiquei magoado, chateado. Fazer o quê? Vou colocar nas mãos de Deus. Se tiveram quatro campeões mundiais brasileiros, tem que ter quatro estátuas, e não três”, argumenta o ex-boxeador.
A correção dessa injustiça histórica seria um belo presente de aniversário nos dez anos de seu cinturão, não seria?