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Arquivo : Rorion Gracie

‘O game Mortal Kombat foi a inspiração para o UFC’, revela criador do UFC
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Eduardo Ohata

Afinal de contas, no que Rorion Gracie se inspirou para a criação do UFC? O filme “O Grande Dragão Branco”, cujo pano de fundo era um torneio clandestino de artes marciais que reunia lutadores das mais diferentes modalidades? Não. O infame, e sangrento, desafio entre jiu-jitsu e  luta-livre transmitido na TV aberta pela Globo na década de 90? Também não, diz, balançando a cabeça. De acordo com Rorion, primogênito do lendário clã Gracie, o popular game Mortal Kombat foi o que o inspirou na criação do conceito do UFC.

Rorion Gracie, em São Paulo

“Minha inspiração foi o game Mortal Kombat, lembra? Um torneio que reunia lutadores de diferentes artes marciais, você disputava um combate seguido do outro”, revelou Rorion, 65, filho do legendário Helio Gracie, que está no Brasil para o lançamento da segunda edição do livro “A Dieta Gracie”,  em entrevista ao blog.

Qual foi a inspiração para o formato do torneio do UFC? Lembra um pouco o filme “O Grande Dragão Branco”. Mas tem gente que diz que você copiou aquele desafio jiu-jitsu x luta-livre, que a Globo exibiu na TV aberta nos anos 90.

Não pensei no “Grande Dragão Branco” e nem no evento do Carlinhos Doce Lar. O que me inspirou foi aquele jogo de videogame Mortal Kombat, sabe qual é? Lutadores de vários tipos de luta. A minha descrição do UFC, na época, era Mortal Kombat for real.

Lembra de alguma curiosidade sobre as primeiras edições do UFC?

Na primeira ou segunda edição, tinha um lutador brasileiro que não chegou a estrear. Ele era da capoeira, estava como substituto caso algum dos lutadores no torneio não pudesse continuar. Parece que morava lá [nos EUA]. A gente estava atrás de lutas exóticas, dos mais diferentes estilos. Então a capoeira brasileira interessava.

O UFC foi vendido recentemente à IMG por US$ 4 bilhões. E você, lá atrás, vendeu sua participação no UFC por…

[Interrompendo] Uma merreca!

Não bate um arrependimento? Você não pensa, ‘esses US$ 4 bilhões poderiam estar no meu bolso”?

Nem um pouquinho. Não criei o UFC para ganhar dinheiro. Minha motivação era arranjar uma arena onde você pudesse comparar os estilos das artes marciais. Queria provar a superioridade e eficiência do jiu-jitsu brasileiro. Eu vendi porque estavam mudando as regras. Resolveram colocar tempo de luta, categoria de peso, que eu era contra. No início, não tinha luva e nem teipe na mão porque numa luta de verdade se você der um murro na cabeça do outro, você quebra a mão. Não tinha jurados, entravam dois [no octógono], saía um. Era a realidade de uma briga, o mais real possível. Era murro na cara, dente caindo… Isso chamou a atenção de todo mundo, depois cresceu. Eu falei, ‘se vocês colocarem tempo de luta, vocês vão matar o show, vai mudar toda a dinâmica, e eu não quero mais estar envolvido’. Quando você coloca rounds de 5 minutos, você não dá mais a chance ao pequenininho de cansar o grandão e ganhar.

Então, na sua opinião, o slogan “mais real impossível” (em inglês, “as real as it gets”) não valia mais?

[Enfático] De jeito nenhum! Você não pode mais botar o grande com o pequeno, tem que ser gente com o mesmo peso, porque os assaltos davam vantagem para o maior. Tiveram que botar jurados, ficava sujeito à interpretação dos juízes. O fim de um assalto interrompia um estrangulamento no meio… Bate o gongo e você tem que soltar? Isso não existe numa briga de verdade. Deixou de ser uma briga de verdade e passou a ser um show de entretenimento. Por isso não me incomodei de me desligar do show. Eu poderia ter ficado como sócio do UFC, em vez de vender, recebido uma participação, mas estaria me prostituindo por dinheiro, porque não era o evento que eu acreditava.  Mas fico feliz por uma ideia minha ter evoluído para um produto de US$ 4 bilhões.

O que acha do UFC de hoje?

Não assisto mais, acho muito violento. Para mim é uma violência desnecessária. Dois caras dando murro um na cara do outro? A graça antigamente era você mostrar a técnica. Era uma competição entre estilos de luta, agora é uma competição entre atletas. Para mim, perdeu a finalidade. As regras favorecem que aconteçam os socos na cara, ficou mais perigoso. Antes, caía no chão, não separava, era menos pancada. Se você está com a mão limpa, não protegida por uma luva, você pensa duas vezes para dar um soco [forte] e quebrar a mão. Não assisto mais o UFC, nem o Bellator [onde lutou recentemente Royce Gracie, irmão de Rorion]. Deixou de ser uma briga de verdade e passou a ser show de entretenimento. Tem gente que adora, o Dana [White] faz um trabalho maravilhoso de marketing, ele tem uma visão grandiosa e tem mérito, fez a parte dele. Mas não é o show que eu criei, que era de briga de verdade.

Você está no Brasil para lançar a segunda edição de “A Dieta Gracie”. O que dieta tem a ver com luta?

Uma vez que meu sonho de popularizar o jiu-jitsu foi realizado, estava pensando que era muito cedo para me aposentar. Então tive uma epifania, caiu a ficha que não fui à América para ensinar as pessoas a lutar. Fui para ensinar as pessoas a viver. E isso é baseado em uma saúde boa. Escrevi o livro baseado nos conceitos de alimentação que meu tio Carlos passou 65 anos estudando. A finalidade dele não era engordar o envaidecer, era manter a família com a saúde boa para poder brigar com qualquer um, a qualquer hora, em qualquer lugar. Meu tio conta que quando era garoto, na década de 20, 30, os caras vinham bater na casa dele às 22h. [Bate na mesa imitando uma batida na porta] ‘Vocês são os Gracie, que aceitam desafio com qualquer um?’ ‘Somos nós mesmos’. ‘Quero brigar contigo agora’. Meu tio me contava, ‘Rorion, tinha que sair da cama, estrangular o cara e voltar a dormir’. Como lutador, ele sabia que uma dor de barriga, uma úlcera, uma azia qualquer outro problema de alimentação tira sua concentração, afeta sua performance, a gente não pode correr esse risco. Ele se tornou autodidata em nutrição, lia o trabalho de todo mundo e tirava suas próprias conclusões. [O lançamento do livro acontece nesta terça, a partir das 19h, na livraria Cultura do Shopping  Iguatemi; no Rio, o lançamento está previsto para a próxima quarta (dia 25), na Livraria Saraiva do Shopping RioSul, a partir das 19h).

Um fato não tão divulgado é sua conexão com a indústria do cinema. 

No meu início nos EUA, fazia faxina para ganhar dinheiro. Uma das casas era de uma senhora cujo marido era assistente de direção daquele seriado “Starsky & Hutch”. Quarenta anos atrás, eu garotão, ela perguntou, como você não está no cinema? E eu, ‘realmente, como não estou no cinema?’ [Risos] Ela falou, tira umas fotos e meu marido arruma para você ser figurante. Eu pendurei a vassoura, tirei as fotos e comecei a fazer pontas de figurante. Participei da “Ilha da Fantasia”, “Casal 20”, “O Barco do Amor”, todos aqueles seriados dos anos 80. De figurante, consegui o trabalho de coreógrafo de lutas do filme “Máquina Mortífera”, eu que ensinei aquele “triângulo” [golpe de jiu-jitsu] que aparece no outro no fim do filme. Passei dois meses trabalhando com a Rene Russo. No “Maquina Mortífera 3” tem uma cena de luta na oficina, que ela dá uma queda e o bandido cai no vidro. Quem era o bandido? Era eu. Ela não conseguia levantar o dublê, e pediu para ser eu fazer a cena. Era eu de bigode, tomei tapa na cara. Não me colocaram nos créditos, ficaram p… por eu entrar daquela forma no filme. Mas era eu de bigode. Você não vê meu nome nos créditos, mas me vê na tela. [O blogueiro assistiu à cena e comprovou que o vilão era interpretado por Rorion].


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