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“Mundial de 51 do Palmeiras lavou a alma do Brasil”, diz emocionado Mustafá
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Eduardo Ohata

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Foi na última gestão de Mustafá Contursi, 76, à frente do Palmeiras que surgiu a ideia de buscar o reconhecimento, na Fifa, do Mundial de 51 do clube, conquistado na Copa Rio. A importância do título para o Brasil, e não apenas para torcida palmeirense, foi grande, já que o Brasil sofrera um ano antes o trauma do “maracanazo”.

Responsável pela campanha que foi até a entidade máxima do futebol em busca da oficialização, Mustafá emocionou-se fortemente durante entrevista ao blog ao falar sobre o assunto, ficou com os olhos marejados, a voz embargada, e irritou-se profundamente ao ser lembrado que muitos criticam a conquista palmeirense, afirmando que o Mundial do Palmeiras foi conquistado “no fax”, em função do pronunciamento da Fifa ter vindo muitos anos depois. “Só os medíocres dizem isso, não sabem o bem que fez à auto-estima do brasileiro e nem conhecem sua importância histórica”, argumenta, ao mesmo tempo em que eleva a voz.

Para o cartola, apenas o Mundial do Corinthians, conquistado em 2.000, é passível de comparação por ter o formato mais ou menos parecido com o do Mundial de 51. Os outros, segundo Mustafá, pode-se dizer que são Mundiais “de perfumaria”.

A conquista palmeirense completou 65 anos em julho e, mesmo sempre questionada por torcedores rivais, foi destacada e parabenizada pela Fifa.  A campanha de Mustafá foi encampada também pela CBF, que em 2007 enviou um documento ao clube do Palestra Itália afirmando que a Fifa reconhecia ali o clube como primeiro campeão mundial de clubes.

Em 2014, a campanha foi encampada também pelo Ministério do Esporte brasileiro, e após análise de seu comitê executivo, a Fifa enviou um documento para o Palmeiras e CBF sobre a conquista do Mundial. O procedimento é semelhante ao que a entidade máxima do futebol dá ao extinto Mundial Interclubes, em que ela reconhece como título de abrangência planetária sem conceder distinção ou honraria. Assim, diferencia os do seu campeonato mundial, inciado em 2000.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista:

Como surgiu a ideia de buscar o reconhecimento do Mundial de 1951

Em primeiro lugar, nunca abrimos mão de considerar aquele o primeiro Mundial de clubes, pelas circunstâncias do momento, dificuldades de comunicação, precariedade dos transportes, pela derrota do Brasil na Copa de 50, que arrasou o futebol brasileiro. Contribuímos com o início da reabilitação do futebol brasileiro, que depois passou por uma seleção razoável em 54 e que culminou com a grande conquista de 58, repetida em 62. O Mundial de 51 foi uma competição que até hoje não há uma igual. Para se ter ideia da importância desse torneio, quero lembrar que nem a Uefa existia à época em que aconteceu. Para você ver a importância que teve esse torneio que reuniu equipes da Europa, equipes sulamericanas num torneio de 8 clubes, com 2 chaves e decisão de semifinal e final.

Arqueologia da Copa Rio

Começamos a trabalhar logo após comemorarmos o jubileu de ouro da Copa Rio, em 2001. Naquele momento começamos a colher depoimentos, resgatar fatos históricos nos países dos times que participaram, em bibliotecas, museus e dentro da Fifa.

Reação do então presidente da CBF Ricardo Teixeira

A ideia foi recebida com entusiasmo por todo mundo. Mas primeiro preparamos um dossiê bancado pelo Palmeiras, profissionalmente desenvolvido pela editora B2, que em dois anos de trabalho produziu uma monografia, um DVD e um vídeo-documentário com depoimentos de jogadores ainda vivos daqui e de fora. Eu era membro da Fifa na época, tinha os caminhos de encaminhamento ao comitê executivo. O Affonso Della Monica, que era o presidente da época, não pôde viajar e designou o diretor-administrativo Roberto Frizzo para entregar na Fifa esse dossiê. Até que em 2009 houve uma primeira correspondência na qual a Fifa reconhecia aquela competição como tendo os moldes de um Mundial e, em 2014, aí sim, a legitimidade foi concedida pelo comitê executivo da Fifa.

Processo difícil

Os dirigentes da Fifa da época não tinham a dimensão do que foi essa competição. Só depois de analisarem o dossiê e todo o material gravado, é que eles começaram a analisar a grandeza e importância dessa competição. Depois de 50 anos da conquista, esse material possibilitou o reconhecimento, então foi uma maneira de reconquistar o que o mundo todo reconheceu em 1951.

Precursor do Mundial do Corinthians

Aquela [o Mundial de 2.000] não era uma competição oficializada, mas experimental, promovida pela Fifa, e que com justiça foi oficializada depois. Os moldes da competição foram exatamente os mesmos: Duas chaves de quatro, uma no Rio e outra em São Paulo, classificava dois de cada chave, semifinal e final. Só que o de 51 aconteceu em uma época de muito mais dificuldade e muito menos recursos. O mundo ainda estava se recuperando de uma guerra mundial. Trazer quatro equipes da Europa, quatro da América do Sul, devia ser difícil chegar do Uruguai para cá, não é como hoje que em 1h45 minutos…

Qual foi melhor, o Mundial do Palmeiras ou o do Corinthians?

O formato foi exatamente o mesmo. Mas não vamos falar ‘Mundial do Palmeiras’, porque foi uma conquista do futebol brasileiro. Estávamos acima de paixões clubísticas. O Brasil todo torceu pelo Palmeiras, não era o Palmeiras que estava em campo. Era o Brasil, esse era o espírito do torcedor. Ou você acha que 116 mil pessoas no Maracanã, no Rio, eram todos palmeirenses? Eram os brasileiros torcendo. O título lavou a alma do Brasil. Mas em 2000 não tiveram duas finais. Semifinal foi um jogo e a final, outro jogo. Em 51, foram dois jogos semifinais e 2 jogos finais. Muito mais difícil de você ganhar. Você decidir em uma só partida, se terminar empatada vai para pênalti, é muito mais fácil do que disputar duas partidas e administrar o saldo de gols. Na final, ganhamos o primeiro jogo da Juventus e empatamos o segundo. E, se não me engano, nas semifinais também ganhamos um do Vasco e empatamos o outro.

Mundial do fax

Nós não ganhamos o Mundial pelo fax. A nosso conquista foi mundialmente reconhecida na época como um Mundial de clubes, só não teve a oficialização porque as organizações na época não tinham a dimensão que têm hoje. Mas a competição foi muito mais valorosa do que as competições de agora, nas quais alguns times são campeões em uma só partida final e outros entram jogando uma semifinal e final. Não disputam fase de classificação de quatro clubes, uma semifinal e final em jogos de ida e volta. [Ironizando] Naquele tempo pode ter sido uma conquista por telegrama, não por fax, que nem existia na época. Mas hoje talvez a conquista de um Mundial seja uma conquista de perfumaria, porque nem se compete entre os clubes classificados para chegar ao título. Não tenho dúvida de que aquela conquista teve mais valor. Se querem ironizar a maior conquista de clubes brasileiros… [51] foi muito mais importante tecnicamente do que qualquer outro Mundial, exceto 2000, que teve os mesmos moldes de organização, mas que não teve duas finais.

Como o futuro cartola acompanhou o Mundial

Eu tinha dez anos, estava de férias em Santos, em uma daquelas pensões na avenida Presidente Wilson. Naquela época você passava 30 dias de férias em uma pensão, com refeição completa. A praia de Santos, eu sinto emoção até hoje, a avenida da praia, foi um corso [Carnaval] só. Os carros todos com decorações referentes ao Palmeiras [olhos começam a marejar], é… A avenida inteirinha [voz fica embargada], naquela hora todos os brasileiros eram palmeirenses [silêncio]. [Elevando a voz] Os medíocres de hoje em dia não conseguem valorizar. Hoje, o que existe, é um monte de dinheiro, muitos caras que um dia estão aqui, amanhã estão lá, e não dão valor à emoção de uma conquista. É um negócio, estão torcendo para ver quanto vai entrar de dinheiro. O cara hoje em dia pensa, terceiro lugar, vou ganhar 5 milhões, vou para a Sul-Americana, e pegar TV de mais três jogos. Esses são os executivos, os CEOs, por isso eles não valorizam as competições daquela época.

Conquista subvalorizada?

O palmeirense nunca deixou de se orgulhar. É bom que os caras de marketing fiquem longe porque só fazem porcaria. Deixem a emoção com o torcedor, com os associados. [Os marqueteiros] gastam um monte de dinheiro, e não entra nada [nos cofres].


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