Blog do Ohata

A fábula de Cinderela e o Esporte Brasileiro

Eduardo Ohata

Medalhista olímpico e um dos mais competentes gestores esportivos do país, Lars Grael verbalizou no texto a seguir, publicado com sua autorização, uma preocupação de muitos desportistas brasileiros: a preocupação com o ''dia seguinte'' aos Jogos Olímpicos do Rio.
Vários dos episódios a seguir tiveram participação ativa do velejador:
''A fábula de Cinderela e o Esporte Brasileiro
Nosso país sediará em pouco mais de 3 meses, o maior evento da humanidade: Jogos Olímpicos e Paraolímpicos.
Estaremos numa erupção de sentimentos ao conjugar este momento mágico e único na história do continente Sul-Americano, e ao mesmo tempo, vivenciando uma crise político-econômica sem precedentes na história da nossa nação.
O Esporte Brasileiro atingirá seu momento de apoteose perante a sociedade, e nosso país exposto nas virtudes e nos contrastes perante todo mundo, uma vez que estaremos no centro das atenções do planeta.
Para chegar a este momento, o Brasil começou a organizar os Jogos Sul-Americanos de 2002, politicamente cruciais para este ano, o Brasil ser selecionado para sediar os Jogos Pan-Americanos de 2007.
Após a realização do Pan, o Brasil conquistou o direito de sediar os Jogos Olímpicos, momento que o Brasil ainda mostrava exuberância econômica e um passaporte carimbado para o chamado “Primeiro Mundo” das nações desenvolvidas.
Sediamos com brilhantismo, os Jogos Mundiais Militares em 2011, e nosso país saiu com saldo positivo na organização e entrega da Copa das Confederações e na sequência a Copa do Mundo de Futebol da FIFA.
O Esporte que no passado era gerido como uma Secretaria interna ao Ministério da Educação e da Cultura – MEC, ganhou em 1991, uma Secretaria Nacional ligada a Presidência da República. Em 1995, criou-se um Ministério Extraordinário dos Esportes. Em 1996, uma autarquia (INDESP) vinculado a ele. Já em 1999, cria-se um Ministério do Esporte e do Turismo. Em 2003 finalmente, o esporte ganha a emancipação e é galgado ao patamar de Ministério, com direito a endereço no Bloco A da Esplanada dos Ministérios.
Nesta trajetória de incremento de relevância política, aprovamos várias leis de apoio, fomento e incentivo do esporte em adição a existente Lei 9.615, conhecida como Lei Pelé dos Esportes:
·       Reconhecimento do Esporte como meio de ação social – CONANDA – Ministério da Justiça.
·       Lei de Importação de Material Olímpico e Paraolímpico com isenção de Imposto de Importação – II e IPI em equipamentos sem similar técnico nacional.
·       Lei Agnelo-Piva de fomento ao desporto olímpico; paraolímpico; escolar e universitário.
·       Lei do Estatuto do Torcedor.
·       Lei do Bolsa-Atleta.
·       Lei de Incentivo Fiscal do Esporte Federal. Já havia uma lei estadual no RJ. Outros estados e municípios criaram suas próprias leis.
·       Alteração da Lei Pelé, remetendo recursos para formação de atletas olímpicos e paraolímpicos através da Confederação Brasileira de Clubes – CBC.
·       Alteração da Lei Pelé, com o artigo 18-A gerando meios de democratização da gestão esportiva nacional.
Nossos chefes de estado, demonstraram com clareza a determinação do Brasil crescer e atingir um patamar das potências olímpicas. Para tal, divulgou-se a meta oficial do Brasil chegar já em 2016 ao grupo seleto das 10 principais potências do esporte olímpico e 5 no esporte paraolímpico.
Possível? Com certeza. A preparação do chamado “Time Brasil” nunca foi tão boa e é sabido que a nação sede, sempre possui um desempenho fora da curva do seu desempenho histórico.
O esporte brasileiro está nas escadarias do castelo do príncipe encantado. Nunca tantas leis foram benéficas ao esporte nacional. Nunca uma preparação olímpica foi tão adequada. O Esporte vive seu momento de Cinderela.
O que queremos enfatizar é o compromisso, verdadeiro pacto da nação em avançar nesta agenda de forma responsável e sustentável. Precisamos valorizar a Educação e os Educadores Físicos desde a formação que está na escola. Este sim, um verdadeiro legado de todo este processo.
O Esporte precisa atingir o reconhecimento de estar no cerne das políticas sociais. Trabalharmos o Esporte e a Educação Física como elementos fundamentais de uma pátria educadora. O Esporte ser um elemento de promoção de saúde e de combate ao sedentarismo. Criamos uma cultura de Esporte que possa permear todas ações de um governo responsável. Atuar como elemento de pacificação nas comunidades carentes, nas políticas de meio-ambiente e de integração nacional.
Corremos o risco desta carruagem para o desenvolvimento, se tornar em abóbora logo após a agenda olímpica…
Temos sinais claros para esta preocupação. Antes mesmo dos Jogos Rio 2016, o poder executivo federal vetou a renovação da Lei de Importação de Material Olímpico e Paraolímpico. Um verdadeiro desserviço ao esporte. Esta medida não é capaz de produzir nenhuma forma detectável de impacto na balança comercial. O governo é o sócio majoritário no apoio ao sistema nacional esportivo, para reaparelhar a nação com material e equipamentos esportivos adequados. Por um lado, incentiva com verbas públicas, por outro lado tunga esta mesma atividade com uma carga absurda de impostos. É a mão que dá e a mão que tira de um governo que parece conspirar contra si próprio.
No Estado do Rio de Janeiro, o Esporte se une para preservar a mais antiga e bem sucedida Lei Estadual de Incentivo ao Esporte através do ICMS.
Em 2016, 5 estados já extinguiram suas secretarias estaduais de esporte. Foram abduzidas e rebaixadas a um departamento de uma outra secretaria. No Estado potência esportiva que é o Estado de São Paulo, 42 secretarias municipais já foram rebaixadas neste ano. Dados da Associação Brasileira de Secretarias Municipais de Esporte e Lazer – ABSMEL dão conta que em cerca de 2.000 municípios do Brasil, o esporte sequer possui qualquer dotação orçamentária.
Nas mudanças que se anunciam para o Governo Federal que deve ser instalado pelo menos na interinidade, fala-se na extinção do Ministério do Esporte. Seria anexado a outra pasta, ou revertido a um ministério híbrido.
Vivemos o risco do efeito Cinderela… com certeza. Potência Olímpica não se constrói num ciclo olímpico. A medição do êxito de nossas políticas públicas, só será medido de forma sustentável, se conseguirmos ser uma potência olímpica e paraolímpica em Tóquio 2020 e em diante…
Não construiremos uma “Pátria Educadora” sem envidarmos esforços no desenvolvimento do Esporte na Escola.
Assim como na fábula, não queremos virar abóbora após os Jogos Olímpicos. Não podemos esperar pelo príncipe e a sapatilha de cristal. Temos que unir o meio esportivo e defendermos este setor vital à sociedade.''
Lars Schmidt Grael
Velejador