Minha história pessoal com Muhammad Ali
Eduardo Ohata
Os feitos do ex-campeão mundial e olímpico Muhammad Ali, dentro e fora dos ringues, são conhecidos por todos. Na minha opinão pessoal, ele é o maior atleta de todos os tempos. Mas eu falo sobre isso um pouco adiante neste mesmo post.
Queria nesse momento falar um pouco do episódio no qual conheci Ali pessoalmente. Não como jornalista, mas como fã. Mas o episódio diz muito sobre Ali como um autêntico campeão, em oposição a um esportista fora de série.
Depois de cobrir a luta em que o brasileiro Popó defendeu seu título em Detroit, em 2000, resolvi dar uma esticada a Los Angeles por conta própria para assistir a luta entre Oscar de La Hoya e Shane Mosley.
Eis que logo depois que a luta acabou, em meio à multidão que se dirigia à saída do Staples Center, esbarro em ninguém menos do que o, nas palavras dele próprio, ''The Greatest'' (''O Maior de Todos''). Fui pego de surpresa pela minha sorte. Fiquei aturdido.
Peguei uma luva que levava na ocasião comigo no caso de encontrar algum ex-lutador famoso, tirei da bolsa, e pedi para Ali assinar.
Logo alguém me deu uma bronca. Era Laila Ali, filha de Ali que lutava à época. Rudemente ela me afastou e disse que seu pai não assinaria nada. Claro, fiquei desapontado, mas entendi a preocupação de Laila, por conta da já precária condição de saúde de Ali, que há anos padecia com o Mal de Parkinson.
Quando comecei a dar as costas para ir embora, vejo Ali fazendo um gesto para mim. Com a mão, ele pediu que eu me aproximasse. Olhei para Laila, que desta vez não protestou.
Quando cheguei bem perto de Ali, ele colocou a mão em seu bolso, tirou um ''santinho'' islâmico dele, e me entregou. Ao verificá-lo, descobri que o ''santinho'' tinha o autógrafo de Ali, em letras tremidas, por motivos óbvios, dele.
Levantei a cabeça, mirei para cima, admirado. Ali olhou bem no fundo dos meus olhos.
Aquele foi um momento especial para mim, e que me disse muito sobre o caráter de Ali, e mostrou o homem por trás do campeão. Uma simples situação de fã com ídolo?
Pense bem.
Quantos atletas fariam isso por um fã? (sim, porque naquela situação estava assistindo a luta como um espectador qualquer, Ali não sabia que eu era um jornalista).
A gente não cansa de ver atletas famosos que, arrogantes, cercados por suas entourages, destratam a todos, fazem questão de ser rudes? Não é preciso ir longe. Não se trata de questão de ''berço'', porque Ali veio de família humilde, que lhe propiciou boa fundação moral.
Mas, claro, há o Ali campeão olímpico e mundial dos pesados.
Um fora de série, que tecnicamente fazia coisas erradas, como esquivar dos golpes na cabeça ''puxando-a'' para trás, ou raramente atacar o corpo do adversário. Mas seus reflexos, velocidade e movimentação incomuns mais do que compensavam por isso. O falastrão, que saiba como poucos promover uma luta e transformá-la num evento.
Não dá para esquecer também o Ali ativista, que defendeu o direito dos negros, na época em que não era popular fazê-lo. Que se recusou a lutar na Guerra do Vietnã, uma guerra que não era sua, e que pagou com a revogação de sua licença de pugilista. Ou seja, por suas convicções, Ali perdeu três dos anos mais produtivos da carreira de um atleta e, consequentemente, ficou sem faturar.
Que contraste, heim, um atleta que aceita sentir no bolso o peso de suas convicções, quando a gente vê tantos hoje burlando o fisco. E ele não parou por aí, mesmo sofrendo com o Parkinson, viajava o planeta todo quando causas humanitárias exigiam.
Há, ainda, o Ali que se reinventou.
Quando retornou aos ringues de seu ''exílio'', já não era tão jovem. Em vez de reflexos e velocidade, usou a cabeça na mais famosa luta de todos os tempos, a ''Rumble in the Jungle'' (''Batalha na Selva''), que virou livro de Norman Mailer e documentário ganhador do Oscar (''Quando Éramos Reis''). Ficou parado nas cordas, cansou o destruidor George Foreman, e reconquistou o título mundial.
Muitos dizem que foi a maior luta de todos os tempos. Discordo. Há lutas melhores. Mas o que essa luta mostrou foi que Ali era, de fato, genial, um fora de série. Depois, foi o primeiro peso-pesado ser campeão por três vezes.
Por tudo isso, jamais haverá um outro como Muhammad Ali. Descanse em paz, você foi um autêntico campeão do povo.