A fábula de Cinderela e o Esporte Brasileiro
Eduardo Ohata
Eduardo Ohata
Tags : Jogos Olímpicos Lars Grael Rio-2016
Eduardo Ohata
Hoje no fim da tarde, a partir das 18h, na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi, lanço a biografia, escrita a quatro mãos, do medalhista olímpico Lars Grael. Iatista, a história de Lars ficou marcada pelo trágico acidente com uma lancha, na qual perdeu sua perna direita. O que não o impediu de se reinventar, com sucesso, várias e várias vezes.
Ter sido co-autor da biografia, ao lado do próprio Lars, representa para mim o fechamento de um ciclo.
Em 1998, quando cobri à distância o acidente no qual Lars foi vítima (enquanto se preparava para uma competição) e sua recuperação, ele já havia ganhado duas medalhas olímpicas e era visto como referência na vela brasileira, com total possibilidade de lutar por um outro em sua próxima participação. Quando perdeu a perna, todos deram como certo o fim de sua carreira esportiva. Eu também pensei assim. O próprio Lars pensou isso.
Quando Lars assumiu um cargo na Secretaria Nacional do Esporte, no ano seguinte, achei que se tratava de uma mera ação de marketing do governo FHC. Dei de ombros. Lars iria para lá, pouco, ou nada, faria. Seu mérito para ir para Brasília? O acidente. Naquela época, na minha imaturidade, tratei Lars com um certo desdém e até certa arrogância. Não pelo que ele havia feito pelo país, o que, inegavelmente, havia sido muito. Mas na minha cabeça, ele havia se “vendido”. Aceitou um cargo para o qual não estava capacitado, se conformou com o papel de coitadinho.
Hoje, minha percepção é a de que Lars foi mais importante como gestor do que como atleta olímpico. Sim, isso mesmo. Você leu certo. Lars foi mais importante atrás de uma mesa, em reuniões com desportistas ou percorrendo o Brasil como gestor, do que ganhando as suas duas medalhas olímpicas ou outros títulos na vela.
Além de competente, divido aqui um episódio que revela uma outra característica de Lars: a honestidade.
Quando Lars ainda estava à frente da Secretaria Nacional de Esporte, recebi a informação de que algo ia mal no órgão que dirigia. Liguei para ele, em um dia que se comemorava algum feriado no Distrito Federal, pude ouvir ao fundo que ele brincava com o filho Nicolas. Pedi que me enviasse um documento que, qualquer um percebia, serviria apenas para produzir uma notícia negativa sobre o funcionamento da secretaria. A causa fugia ao controle de Lars, mas respingaria nele de toda a forma. Pois bem, Lars não apenas deixou sua família em casa, em um feriado, foi para seu escritório na secretaria, procurou os documentos que eu pedia e os enviou por fax (sim, estávamos na época do fax). Dei um obrigado, o que não impediu de publicar matéria mostrando alguma ineficácia em sua secretaria.
Dias depois, o problema na secretaria já estava sanado. Briguei com meu editor (“notícia boa não vende jornal”) para publicar uma nota mostrando a novidade. Só após muita insistência, a notícia acabou saindo.
Ao longo dos anos, e finalmente com seu título mundial na Star, conquistado este ano, Lars mostrou que não é um coitadinho, que é competente e que não, sua carreira esportiva não se encerrou em 1998. Longe disso.
Da minha parte, agradeço a oportunidade de acompanhar a mais importante saga de Lars, de 1998 até hoje.
Um forte abraço, amigo,
Eduardo Ohata
Em dupla com um iatista formado no projeto social mantido pelo clã Grael, Lars Grael conquistou neste domingo (8) o título mundial da classe Star no Mundial, na Argentina.
Ele formou dupla com Samuel Gonçalves, que começou sua trajetória como aluno do projeto Grael, de cunho social, cujo objetivo inicial era levar a vela para garotos oriundos de comunidades. O projeto também serve de alternativa para quem tem penas pequenas a pagar na Justiça e opta pelo trabalho comunitário.
“Gostaria de dedicar esse Mundial a Deus, à minha esposa, à minha família e ao Lars e [a esposa de Lars] Renata Grael, que acreditou em mim e me convidou para velejar a seu lado”, agradeceu Gonçalves. ” Muitas pessoas fazem parte desse título, como a equipe do Projeto Grael, que me iniciou na vela”, agradeceu Gonçalves.
Lars lembra, porém, que a aposta em jovens em situação de risco era visto de forma bem diferente há alguns anos.
“No início o pessoal de elite dos clubes de iatismo torcia o nariz e dizia, ‘mas aí essa gente [das favelas] vai começar a frequentar nossos clubes?”, lembra Lars, que como atleta olímpico tem duas medalhas de bronze, sobre o impacto do projeto que começou a funcionar em 98 e foi fruto de conversas de Lars com o irmão Torben. “Hoje, até quem torcia o nariz para a ideia pega nossos alunos para compor as tripulações de suas embarcações.”
“Mas assim como temos alegrias, a gente viveu momentos de muita tristeza também, como quando alunos acabaram enveredando para a criminalidade e foram mortos”, lamenta Lars, que perdeu uma perna em um trágico acidente durante uma competição em 1998.
Lars e Gonçalves conquistaram o Mundial ao terminar a última regata desde domingo na terceira colocação.
Agora Lars, que conta com o patrocínio da Light, e Gonçalves se preparam para a final da Star Sailors League, competição que reunirá os velejadores mais bem ranqueados da classe em Nassau, nas Bahamas, no início de dezembro.