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Brasileiro de 47 anos paga até rival em volta aos ringues; família é contra
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Eduardo Ohata

Representante do Brasil nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, o boxeador Lucas França, aos 47 anos, volta aos ringues esta semana.

Além de não receber nada para flertar com o risco -já sofreu um início de descolamento de retina-, ainda pagará do próprio bolso a bolsa de R$ 800 do adversário e as taxas da Federação Paulista de Boxe para a realização do combate, previsto para seis assaltos, sábado, em São Paulo. No total, os custos para França voltar a lutar ficarão entre R$ 2 mil e R$ 3 mil.

Cartaz da luta de retorno do ex-lutador olímpico Lucas França

Cartaz da luta de retorno do ex-lutador olímpico Lucas França

Os custos impõem um impacto considerável no orçamento mensal de França, que ganha a vida como técnico em cinco academias da região de Sorocaba, onde mora. Não haverá renda de bilheteria, já que não serão cobrados ingressos para a programação. Além disso, França teve que diminuir a quantidade de aulas que dava para se dedicar aos treinamentos para seu retorno aos ringues.

Além de ter participado da Olimpíada de Barcelona, França foi também aos Jogos Pan-Americanos de Havana-91 e foi pentacampeão brasileiro de boxe entre os anos de 80 e 90. Como treinador, atividade à qual Lucas França vem se dedicando nos últimos 19 anos, dirigiu a promessa Juliano Ramos, que despontou no profissionalismo, e lutadores do UFC, como o ex-campeão Maurício “Shogun” Rua e o meio-pesado Fabio Maldonado.

“Eu falava para o Shogun, ‘quando eu voltar a lutar, vamos fazer uma luta [treino de sparring] forte’. Mas percebia que ele fazia aquela cara de quem não acreditava”, lembra França. “Pois aí está, este é meu retorno, não importa o resultado da minha luta [com o rival Marco Talebi, 40 anos].”

Lucas é casado e tem duas filhas adolescentes, Yolanda, 15, e Antonieta, 9, que são contra a luta e não irão assistí-la. “Passei um ‘cortado’ com minha mulher, que ficou ‘beiçudinha’ um tempo quando falei que ia voltar a lutar. Quem gosta de mim diz para eu não voltar. Aliás, noventa por cento das pessoas que conheço pedem para eu não lutar. Parece que estou indo para o matadouro.”

Mas, segundo França, há apoiadores, como Luís Claudio Freitas, irmão do ex-campeão Acelino “Popó” Freitas. “[Luis Claudio] disse, volta e arrebenta”, lembra França. Segundo ele, seus apoiadores lotarão duas vans que vão sair de Sorocaba para a academia do Clube Prime, no bairro da Penha, onde acontecerá a programação.

“Muita gente diz que eu não deveria lutar porque corro risco. Mas o que é pior, eu subir ao ringue ou um cara que fuma, bebe, está fora de forma e no fim de semana põe a bola debaixo do braço e vai jogar uma pelada?”, questiona França, que integrou a famosa esquadra de boxeadores da Pirelli. “No caso do ocioso que vai jogar bola o pessoal até elogia, diz, ‘olha, só, que exemplo…’”

O presidente da FPB, Newton Campos, explica que desde que Lucas passou nos exames médicos não há o que fazer para impedi-lo. “Ele trouxe tudo que pedi, então não tem o que fazer. Ele foi mordido pelo bicho do boxe”, explica, aos risos, Campos.

O lutador de Sorocaba tem orgulho que sua luta promete reunir boxeadores como os colegas da época de Pirelli Peter Venâncio, um dos melhores amadores brasileiros e ex-desafiante ao título mundial, Hamilton Rodrigues, bronze no Mundial amador, e Marinho. Aquele mesmo, muito lembrado até hoje por ter protagonizado ao vivo, em rede nacional, na TV, uma discussão com o apresentador esportivo Jorge Kajuru.

Lucas diz que nunca deixou o condicionamento físico de lado, participa de corridas de rua, da tradicionalíssima São Silvestre, e que por isso sente que mesmo aos 47 anos ainda tem condições.

Ele aponta para os exemplos de George Foreman, que retornou aos ringues após uma década parado e recuperou o cinturão dos pesados que havia perdido para Muhammad Ali e para Bernard Hopkins, que só foi perder o título mundial dos meio-pesados aos 49 anos no ano passado.

Curiosamente, é justamente uma luta com Hopkins que o inspira. “Quero continuar minha carreira [para ficar ranqueado] e enfrentar o Hopkins. Quem sabe não consigo enfrentá-lo aqui no Brasil?”, pergunta, de forma retórica, França.


Perto de Rio-16, mais de R$ 170 milhões para atletas olímpicos ficam presos
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Eduardo Ohata

Uma verba federal cujo montante já ultrapassou os R$ 170 milhões, carimbada para a formação de atletas olímpicos, está presa em uma conta bancária da Confederação Brasileira de Clubes nos últimos três anos e meio, rendendo juros ao invés de alavancar o esporte brasileiro. Isso, às vésperas dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

Há até poucos meses não havia sequer sido formulada uma maneira para distribuir esse dinheiro. Era impossível qualquer clube ter acesso a ele.

Os clubes passaram a ter direito a essa verba quando um grupo de agremiações, intitulado Confao (Clubes Formadores de Atletas Olímpicos), capitaneados por Pinheiros e Minas Tênis, entraram em choque com o Comitê Olímpico Brasileiro a partir de 2009, ao argumentar que eles, e não o COB, produziam atletas que representavam o Brasil nos Jogos Olímpicos, Mundiais e Pans.
Para apaziguar os ânimos, o Ministério do Esporte resolveu destinar parte de seu próprio orçamento aos clubes, via Confederação Brasileira de Clubes. A CBC, por sua vez, ficou incumbida de repassar esse dinheiro para os clubes. Mensalmente recebe 0,5% das loterias federais.

O dinheiro passou a ser depositado na conta da CBC desde 2012, quando a presidente Dilma Rousseff sancionou mudanças na Lei Pelé, pouco antes da Olimpíada de Londres. O primeiro depósito foi retroativo a março de 2011. O Ministério do Esporte, dirigentes de clubes e advogados especialistas em direito desportivo argumentaram à época que o dinheiro poderia ser utilizado a partir daquele momento.

A CBC, porém, se recusou a usar o dinheiro, temerosa em utilizar o dinheiro e cair nas malhas do Tribunal de Contas da União.
Repassou a responsabilidade para o não-uso do dinheiro para o governo federal ao justificar que não usou o dinheiro por a lei não ter sido regulamentada. Trocando em miúdos, justificou a permanência do dinheiro em uma conta corrente ao fato de o governo não ter definido os procedimentos de como lidar com o dinheiro. Preferiu que uma portaria para tal fim fosse baixada, o que ocorreu em janeiro do ano passado.

“Nunca imaginamos que o governo federal levaria tanto tempo para regulamentar a lei”, argumenta Edson Garcia, diretor-executivo da CBC.

Porém, o Ministério do Esporte explicou que em seu entendimento “o dinheiro poderia ter começado a ser utilizado a partir do momento em que caiu na conta da CBC”. A tese é corroborada por advogados especialistas em direito desportivo ouvidos pelo blog.

Garcia argumenta que os R$ 184,3 milhões que já foram depositados até o último mês de julho não é um valor que terá tanto impacto para a formação de atletas olímpicos. O balanço da entidade mostra que R$ 170 milhões estavam parados na conta até o fim do ano passado.

Ele explicou que do total do dinheiro depositado na conta da CBC, “só metade será investido em esportes olímpicos”. “Temos o direito de destinar cerca de 20% desse valor a gastos administrativos [foram usados para este fim até julho passado R$ 8 milhões], 15% serão direcionados ao desporto paraolímpico, 10% ao escolar e 5% ao universitário”, justifica o dirigente.

Colocados em perspectiva, os números não são tão insignificantes assim. Para efeito de comparação, nos últimos quatro anos cheios, o Esporte Clube Pinheiros, uma potência esportiva entre os clubes, captou, para formação de atletas e alto rendimento, R$ 71,3 milhões em projetos pelas leis de incentivo ao esporte. Ou seja, o valor que a CBC já recebeu seria mais que o suficiente para manter o esporte do Pinheiros durante um ciclo olímpico e ainda sobraria algum dinheiro.

Segundo Edson, a CBC está correndo para colocar em uso a verba para formar atletas olímpicos. “Lançamos três editais, que são a forma mais transparente e democrática de transferência de dinheiro público, para aquisição de materiais e equipamentos esportivos e mais dois para participação [de atletas] em competições e devemos lançar mais. Portanto, verifica-se que até o fim de 2015 temos previsão de comprometer todos os recursos acumulados para a formação de atletas”. O montante somado dos cinco editais já lançados é de R$ 108,5 milhões.

No passado, porém, previsões da CBC deixaram de se tornar realidade. Em 2012, o então presidente da CBC, Arialdo Boscolo, havia dito que até o fim daquele ano o dinheiro estaria sendo usado na formação de atletas. Ele alegou que estava esperando só passar a Olimpíada de Londres-12. Porém a verba continuou na conta da CBC.

Anualmente, está previsto que a confederação receba exclusivamente para o fomento de atletas um montante de cerca de R$ 50 milhões.

A verba do Confao não é a única direcionada pelo governo federal à CBC. A entidade recebeu, em 2014, um montante de R$ 4,9 milhões, referentes à loteria Timemania/Ministério do Esporte, conforme aparece no balanço da entidade. Mas o dinheiro tampouco foi direcionado à formação de atletas, mas investidos aproximadamente R$ 3 milhões na organização de três convenções de clubes para cobrir gastos que incluíaram, por exemplo, estadia e alimentação (R$ 1,8 milhão) e palestrantes (R$ 185 mil).
Essas convenções contam tradicionalmente com shows de artistas famosos, como o cantor Ivan Lins (foto abaixo) e o comediante Eri Johnson.

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A confederação explica que as convenções são uma oportunidade para os cartolas de clubes sociais apresentarem suas dúvidas e dificuldades em relação à utilização do dinheiro para a formação de atletas olímpicos e o aperfeiçoamento de sua fórmula.

A CBC afirma que os shows de famosos não são pagos com dinheiro público. “Só o que é pago com o dinheiro da Timemania são as convenções”, explica Edson. “Os shows não são pagos com dinheiro da CBC.”

De toda a forma, a verba da Timemania deixará de cair na conta da CBC e será destinada agora à Fenaclubes (Federação Nacional de Clubes), entidade presidida por Boscolo, ex-presidente da CBC.


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